O Parque São Lourenço


 Lago do Rio Belém no Parque São Lourenço, em 2012

Passemos a falar de outro tempo, quando ainda não havia Passeio Público ou canalização e o rio Belém ainda apresentava-se na sua forma natural. A partir do depoimento de sua avó materna, Leônidas Boutin pôde trazer-nos informações sobre a região conhecida como São Lourenço: 

Um pequeno rio corre no vale entre o São Lourenço e o Passeio Público. Rio pequeno e sinuoso. Uma estradinha margeava esse rio. Estradinha estreita e lamacenta. Em alguns trechos, pequenos córregos atravessavam-na, obrigando o viajante a passar a vau. Era a então estrada do Assungui. O local São Lourenço era um imenso charco rodeado de pequenas colinas. Esse charco, que o povo chamava de “banhadão” era coberto de vegetação aquática que, durante a primavera cobria-se de flores brancas. Mas quando chovia muito, virava lagoa, enchendo o rio que transbordava em quase toda a sua extensão, até o outro charco, onde mais tarde surgiria o Passeio Público. (1)

No decorrer do seu relato, Leônidas ainda nos informa sobre as belas matas por todas as encostas do vale, cuja madeira era utilizada na fabricação de barricas de erva-mate, e sobre as chácaras pequenas, onde se cultivava agricultura de subsistência, com galinhas, ovos, milho, toucinho e leite. A região, que mais tarde vai ser conhecida como São Lourenço, recebeu um grande fluxo de imigrantes europeus, principalmente poloneses, os quais vendiam os produtos produzidos nas chácaras na região central da pequena vila de Curitiba do final do século XIX. Imigrantes de diferentes nacionalidades adentraram a região conhecida por “Cinturão Verde”, criada para subsidiar e abastecer a cidade de Curitiba e ali fixaram residência. 

A região da qual fala Leônidas Boutin, conhecida como um imenso charco rodeado por colinas já foi cogitada para a construção da cadeia pública. Diante das reclamações gerais de não haver em Curitiba um local para alojamento de presos sentenciados, em 1880, a Assembleia Provincial autorizou o Governo a construir um prédio para a penitenciária. O lugar escolhido situava-se à margem direita da Estrada do Assungui, próximo ao engenho de Mathias Taborda, local “regado pelo Rio Belém, o mais abundante manancial dos arredores, o qual convenientemente canalizado suprirá de sobejo a todas as necessidades do estabelecimento, além de existir próximo a uma excelente pedreira”(2). A penitenciária ficaria situada entre duas colinas, onde seria mais fácil elevar o nível do terreno ao nível da estrada. No mesmo ano da autorização da construção do edifício, houve o lançamento da pedra fundamental com a presença do Imperador D. Pedro II, acompanhado das demais autoridades da Província. No entanto, atribui-se a não construção do edifício às más condições financeiras da Província. Atualmente acham-se neste terreno as instalações de um supermercado, nas imediações do Parque São Lourenço. 

As águas do Rio Belém, na altura do atual bairro São Lourenço, sempre foram ambicionadas por donos de engenhos e por autoridades públicas para construção de seus empreendimentos, como foi o caso da cadeia. A chegada dos imigrantes, a partir de 1870, reconfigurou a paisagem que antes compreendia o charco, popular “banhadão”. Ao instalar-se no início do século XX, na região do São Lourenço, um tcheco de nome Michaul construiu um chalé de alvenaria e tijolos, coberto com telhas de barro. O tcheco montou um curtume, o curtume “São Lourenço”, cujas máquinas eram movidas a roda d’água. O curtume é entendido por Boutin como a primeira fonte poluente do Rio Belém, pois viam-se peixes mortos boiando e mudanças na coloração das águas. Recordando essa época, Boutin afirma que, certo dia, ao chegar em casa, sua mãe contava que havia salvado muitos peixes da morte certa: “- E onde foram colocados? – perguntou.” “- Na frigideira - foi a resposta” (3).

Na região do São Lourenço, ficava a chácara do senhor Leindorf que construiu uma casa de alvenaria no estilo europeu entre a estrada do Assungui e o rio. Esta casa, depois comprada por Otto Boutin, foi construída no terreno da antiga fábrica de cola. A firma Albano Boutin e Cia adquiriu todo o São Lourenço nos anos 1940, quando um dos descendentes de Otto Boutin, Raymundo Boutin, reformou a casa, aumentando-a e modificando sua cobertura, retirando seu gradil e fazendo uma nova cobertura com telhas francesas. 

A poluição do rio aumentou quando, a partir de 1950, começaram as ligações de esgoto, consequência do aumento populacional e do número de indústrias. No início dos anos 70, a região do bairro Abranches contava com várias fábricas, dentre elas a fábrica dos Boutin, o Frigorífico Blumenau e a fábrica de velas Estearina Paranaense, próximas ao Rio Belém. 

No ano de 1970 a represa do São Lourenço, então propriedade da fábrica de Adubos “Boutin” estourou, causando inundação em toda a região, inclusive nos bairros Abranches e Taboão e, devido aos prejuízos causados, ocasionou o fechamento dessa fábrica e das demais fábricas da localidade. Segundo o Jornal Diário do Paraná, “esse fato provocou, além de vários danos materiais, a morte de uma menina que estava numa ponte do Rio Belém, próxima ao Grupo Escolar Pietro Martinez”. (4)

O estouro da represa levou à criação de um projeto para um Parque Municipal, que serviria tanto como um agente regulador de vazão das águas do Rio Belém, quanto promoveria nos arredores os setores de recreação, educação e paisagismo (5). Os terrenos que compreendiam o Tanque São Lourenço e a fábrica de cola foram vendidos à Prefeitura Municipal de Curitiba. Em 1972, a prefeitura implantou o Parque São Lourenço, localizado entre as ruas Mateus Leme, Nilo Brandão e Santa Rita Durão. Construiu-se um lago artificial dentro do parque a fim de armazenar as águas do Rio Belém e evitar as enchentes repentinas. O lago também assumiu função recreativa, recebendo atividades como: pedalinhos, caiaques, modelismo naval e outras atividades aquáticas. 

O projeto inicial do parque previu um centro de criatividade para atender a população interessada no aprendizado artístico, onde as atividades desenvolvidas seriam artes plásticas, teatro, música, cinema, literatura, arquitetura. O parque também contaria com um transporte interno, um trenzinho que o percorreria em toda a sua extensão. Além disso, o projeto também previu iluminação noturna, estacionamento, caminhos para pedestres, recreação infantil, dentre outros equipamentos. O prefeito Jaime Lerner, em sua gestão no ano de 1973, inaugura o Centro de Criatividade, onde funcionava a antiga fábrica de cola. Também foram inaugurados no parque restaurantes e quiosques, uma estufa para o cultivo de bromélias, playgrounds e churrasqueiras. 

Mesmo com a implantação do Parque, o Rio Belém continua a ser motivo de constantes reclamações nos anos 70, conforme a matéria jornalística: 

(...) cada um dos bairros nos quais ele passa, enfrenta problemas próprios embora tenham quase sempre as mesmas origens: inundação, poluição e mau cheiro. Mas é somando estas particularidades todas que podemos entender o quanto é grande e complexo, o drama que a sociedade enfrenta devido a apenas um rio. (6)

A matéria retrata também a visão nostálgica da população mais idosa com relação ao rio ao colocar o depoimento de Francisco Damarkoski, que relata: 

Antigamente o rio não nos causava o menor problema. Naquele tempo a água era limpa, embora o rio fosse raso, uma vez ou outra nós reuníamos uns amigos e íamos pescar por aí nas tardes de domingo. As crianças ficavam nadando e não tínhamos a menor preocupação. (6)

A matéria ainda revela outras lembranças de antigos moradores, como a de um fabricante de tamancos que possuía em seu terreno um tanque, no qual represava a água do rio, para que toda a “piazada” fosse nadar. (6)

Em uma petição, divulgada pelo Jornal Correio de Notícias, circulado em 1978, os moradores do bairro Abranches sugeriram que se construísse uma ilha no lago do Parque, para que as aves nativas que ainda existissem no local pudessem ter um abrigo. 

Em 1980, o parque recebe diversas melhorias, como a construção de novos portais, ampliação de vagas de estacionamento, churrasqueiras, bancos e mesas, bem como a ativação da antiga roda d’água que existia no local e a implantação do bondinho de burro. (7)

Em 1998, o parque recebe uma nova atração, um espaço cultural dedicado ao artista Erbo Stenzel. A Casa Erbo Stenzel, como foi nomeada, continha várias salas dedicadas a artistas plásticos, réplicas e fotos de Stenzel e um local reservado para exposições sobre obras de arte em logradouros públicos da cidade. Além de conhecer a obra, os visitantes e pesquisadores ainda poderiam pesquisar a respeito. 

Porém, no mesmo ano, o Parque São Lourenço volta a ser notícia na imprensa devido a obras de instalação de esgotos. A população reclamou da longa duração das obras, que se estenderam por mais de um ano, e o fato das pistas estarem esburacadas (8). Além disso, o lago foi esvaziado, devido ao rompimento das comportas de madeira que regulavam o nível da água. Ao final do mesmo ano, novamente o Lago do Parque é alvo de notícias, pois, segundo os frequentadores do Parque, “o lago, completamente assoreado, exala mau cheiro. A água está suja e com uma camada gelatinosa de lodo na superfície”. (9)

Várias foram as obras posteriores sofridas pelo lago do São Lourenço. No ano de 2002, as carpas que se encontravam no lago estavam morrendo devido ao assoreamento. Iniciam-se as obras de desassoreamento, de recuperação da comporta e instalação de um equipamento de controle de qualidade da água para remover o acúmulo de material inorgânico do leito. O lago ainda sofre com o problema da poluição, causada pelo lançamento de esgotos clandestinos nos córregos da região. 

Nesse mesmo ano, a Associação de Moradores e Amigos do São Lourenço, promove uma festa para melhorar a qualidade de vida do bairro e conscientizar a população a não despejar os esgotos nas nascentes do rio. Nessa ação, as crianças jogaram alevinos para repovoar o Rio Belém, represado no Parque São Lourenço. 


Notas:
(1) BOUTIN, Leonidas. O São Lourenço. Curitiba: Casa da Memória, 1984. Essa informação pode ser encontrada no Arquivo Histórico da Casa da Memória de Curitiba através da Pasta Histórica: PAHI, PARQUES. Curitiba, [s. n.] 2007. 1 pasta.
(2) STRAUBE, E. C. A penitenciária em Curitiba. Revista da Academia Paranaense de Letras. Curitiba: Departamento de Imprensa Oficial do Paraná. n. 38. p. 119.
(3) BOUTIN, Leônidas. Histórias paranaenses. Curitiba: L. Boutin, 2003. p. 69.
(4) Jornal Diário do Paraná, 19 de abril de 1975. Acervo da Casa da Memória. (sem página) Esse jornal pode ser encontrado na Casa da Memória de Curitiba através da busca por PAHI, RIO. Curitiba, [s. n] 1 pasta.
(5) CURITIBA. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Parque São Lourenço. Essa informação pode ser encontrada no Arquivo Histórico da Casa da Memória de Curitiba através da Pasta Histórica: PAHI, PARQUES. Curitiba, [s. n.] 2007. 1 pasta.
(6) Jornal Diário do Paraná, 19 de abril de 1975. Acervo da Casa da Memória. (sem página) Esse jornal pode ser encontrado na Casa da Memória de Curitiba através da busca por PAHI, RIO. Curitiba, [s. n] 1 pasta.
(7) O bondinho trazido ao Parque São Lourenço era até então atrativo do Parque Barigui e constituía-se em uma atração, na qual os visitantes do parque passeavam por uma charrete puxada por mulas. 
(8) Jornal Folha do Paraná, 21 de julho de 1998. Acervo da Casa da Memória. (sem página) Esse jornal pode ser encontrado na Casa da Memória de Curitiba através da busca por PAHI, RIO. Curitiba, [s. n] 1 pasta.
(9) Jornal Folha do Paraná, 03 de dezembro de 1998. Acervo da Casa da Memória. (sem página) Esse jornal pode ser encontrado na Casa da Memória de Curitiba através da busca por PAHI, RIO. Curitiba, [s. n] 1 pasta.

Fotos:
Gabriel Gallarza

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